Por que eu, Senhor?

Posted by Cronicas de Bebado on 09:33 in , , , , ,

Dizem que desgraça nunca vem sozinha, mas comigo, acho que a cota extrapolou. Há dias em que alguma coisa nos diz para nem sair de casa, mas fui obrigado nesse dia a ir trabalhar.

Segunda Feira:

Acordo com a chuva batendo em minha janela, 6:15 da manha. Como de costume, fui até a cozinha preparar café. Entrando na mesma, resvalo o dedão do pé esquerdo na quina da geladeira. Tudo Bem. Depois de dois gritos de raiva e de ódio, a dor passa e com ela vai-se também minha voz.
Sem conseguir falar uma palavra, resolvi que nesse dia iria tomar café, mas sim chá. Tomo meu chá observando a chuva pela janela e acabo me distraindo. 350 ml de chá fervente se espalham pela única camisa limpa, e por coincidência, a única que estava em casa, pois o resto foi pra lavanderia. Como estou atrasado, resolvo ir assim mesmo.
Passo na dispensa para pegar meu guarda-chuva e descubro que o mesmo não se encontra. Lembrei que minha vizinha havia pedido emprestado, prometendo devolve-lo no dia seguinte. Isso foi a 8 semanas. Como não havia outro jeito, resolvo encarar o dilúvio.
Na beira da calçada, a dois passos da minha casa, vejo o ônibus passando. Comigo fica somente a lama da poça por onde ele passou. Enlameado e fedendo a chá de folha de caqui silvestre, me dirijo ao ponto de ônibus. Uma senhora, já de idade avançada, começa a me contar os problemas com sua artrose e unha encravada. Tentando lhe explicar por meio de sinais que estava sem voz, acabo tocando na senhora um pouco abaixo do seio esquerdo. A velha interpreta o ato como uma depravação sem tamanho e passa a me agredir verbal e fisicamente, gritando palavras pouco amistosas e de baixo calão. Nessa altura a cidade toda já sábia que eu era um tarado por velhinhas molhadas de chuva.
Com as bolsadas precisei me afastar do abrigo do ponto de ônibus, ficando sob a chuva que parecia aumentar a cada segundo. Finalmente o ônibus chega. Totalmente lotado, pessoas penduradas nas portas, era gente saindo pelo ladrão. Visto eu estar encharcado e fedendo a chá, consigo um certo espaço. Quando começo a me tranqüilizar, uma bicha escandalosa encosta atrás de mim e solta seu bafo delicado ao pé do meu ouvido. Não presto atenção ao que a bichona fala, pois nesse momento meu organismo dá sinais de que a desgraça está para aumentar. O chá não desceu bem. Maldita hora em que a Dona Clotilde da limpeza me indicou esse chá milagroso. O revertério no estomago parecia grande. O barulho do borbulho dos gases era ouvido até pelo motorista. Torcia para que ônibus chegasse ao meu destino o mais rápido possível. Mais 5 minutos e eu poderia desfrutar de um banheiro limpinho e cheiroso. A frutinha começa então a roçar sua coxa nas minhas nádegas contraídas, quando o cobrador informa que todas as ruas estão alagadas e um descarrilamento de trens logo a frente impedia que prosseguíssemos viagem. Logo atrás do ônibus, em questão de segundos, formou-se uma fila de 10 Kilomêtros. O transito não ia nem voltava e a bichona sentiu-se então mais a vontade, pois viu que teria tempo para se aproveitar de mim e colocou sua mão dentro da minha bunda. Neste momento, caguei-me e junto com a merda, minha dignidade foi junto.
A bichona escandalosa começa então a ter um chilique, sacode a mão e grita se eu não gostaria de uma fralda geriátrica, enquanto limpa sua mão no meu cabelo. Sem voz e sem dignidade, assisti a tudo isso calado.
Enquanto metade das pessoas que não estavam rindo de mim, se afastavam por causa do buque de aromas que se formou em meu corpo, uma senhora, sensibilizada da minha situação, abre sua bolsa e retira um frasco de talco em minhas calças, criando uma pasta rançosa. O cheiro piorou. Agora eu era um amontoado de merda enlameada, coberta por talco e chá de folha de caqui silvestre.
Após duas horas de espera, a chuva passa e seguimos um caminho alternativo, o que me fez levar mais de meia hora para chegar num destino que levaria 5 minutos a pé. Desço do ônibus. Como as águas não haviam baixado totalmente, caio em um bueiro de esgoto em obras. Minha perna direita dentro do bueiro, a esquerda num ângulo de 90 graus com a outra. O joelho ralado era o de menos nessa hora. Consegui sair com muito custo, meu sapato de cromo alemão ficou na minha patética tentativa de me livrar da boca de lobo. Para sair, acabei ficando de quatro na sarjeta, em frente a uma construção civil. Minha bunda empinada para os 250 funcionários que não trabalhavam em função da chuva foi motivo de chacota.
Agora eu era um amontoado de excremento, regado a chá, talco, lama, água de bueiro e só um sapato nos pés. Consegui enfim chegar a minha empresa. Nesse ínterim, passei a questionar por que mamãe não fez um aborto.
Chego a portaria do prédio e constato que meu cartão não abre a porta. O magnético havia de descolado. Como não podia pedir ajuda, fiquei esperando alguém que estivesse saindo para o almoço abrir a porta para mim. Para piorar a desgraça, o Almeidinha, meu maior competidor é quem aparece primeiro, abre a porta e sai dizendo que vai comprar uma maquina fotográfica para registrar aquela cena. Supero as risadas dele e me dirijo ao banheiro.Pensei que agora estava a salvo, iria me limpar e esquecer essa manha. Ao abrir a porta, sinto outra golfada de merda se formando em minha bunda.
Meu prédio não tem fumódromo, por isso os diretores fumam no banheiro do 1º andar. Dei de cara com meu chefe discutindo com os outros seis diretores minha promoção, que sairia na próxima semana. Pergunto-me agora por que eu mesmo não me matei antes de sair de casa.
O cheiro encerrou o assunto.Todos olhavam para mim como se eu fosse o monstro do lago Ness.

No meio dos diretores, um senhor bem alinhado grita:
- Quem deixou esse mendigo entrar aqui?
Mal sabia eu que era o presidente da companhia.
Sem poder me explicar, entro no Box enquanto meu chefe, da porta, diz para que assim que eu me recompor, passar na sala dele. Outra golfada de merda, que agora veio acompanhada de um vomito verde e pastoso.
Já estava me acostumando com tanta imundície,mas feliz por que meu tormento estava acabando, respiro fundo e me preparo para me limpar,quando constato que não há papel.Praguejo contra Dona Clotilde, que não providenciou a limpeza daquele banheiro e o deixou sem papel.
Ao sair para ver se outro Box tinha papel, dou de cara com um aviso:
“Estamos em obras na caixa d’água do prédio. Segunda Feira estaremos sem água das 11:45 as 18:00”.

Olho em meu relógio: 11:50. Meu ódio quanto à vida aumentou. O Urubu que pousou no meu ombro criou ninho. Sigo a sala de meu chefe pronto para assinar minha demissão. No caminho encontro as secretarias gostosas que davam bola pra mim. Davam, por que foram as primeiras a me chamar de cagão. Meu chefe nem falou nada, esticou o braço o Maximo possível para não precisar se aproximar de mim, me entregando comunicado de que minha promoção tinha ido bueiro abaixo e que eu precisava compensar esse dia com horas extras. Tentei explicar por sinais o que aconteceu e que eu estava sem voz. Piorei tudo. Ele achou que eu estava de sacanagem e me mandou pra casa.
Sem ter como sair, pois a porta só abre com o cartão e o porteiro estava doente, sento na recepção esperando alguém sair para que eu pudesse ir pra casa e acordar desse pesadelo. Fiquei das 13:00 as 15:00 e não passou uma viva alma. Pra minha sorte talvez, pois a merda havia secado se misturado ao talco, a lama, ao chá, a água de bueiro e ao vomito. Minha dor no dedão piorou. A essa altura ele já estava maior que um mamão macho. Minhas roupas estavam 4 kilos mais pesadas.
Comecei a pensar que pior do que estava não poderia ficar. Finalmente apareceu alguém. Me levantei correndo, pois pela cara da pessoa ela não pararia para falar comigo nesse estado. Só deu tempo de eu ver a marca que deixei no sofá da recepção. Totalmente inutilizado.
Ganhei a rua e me senti livre. Acreditava estar irreconhecível, até ver a moça com quem eu estava saindo vindo em minha direção. Sim, agora constatei que pior do que estava poderia ficar e muito. Havíamos combinado de jantar em minha casa e ela perguntou se poderia dormir lá. Quando me viu nesse estado, inventou um primo doente em uma cidade do interior e que ela precisaria viajar naquele instante e que seria bom não nos vermos nunca mais. Até entendo, não há amor que resista a tanta nojeira.
Como fiquei abalado com a perda, meu organimos reagiu e achei que irei me cagar. Sai correndo para o bar da esquina para usar o banheiro, o que era bobagem, já que eu estava todo cagado mesmo.
Atravessei sem olhar e não vi o Chevette azul geladeira, frente tubarão, que me abalroou. Acordei no meio da rua com umas 50 pessoas a minha volta. O urubu teimava em pousar no meu ombro, pois me caguei de novo.
Abrindo caminho no meio da multidão, quem eu vejo, crescendo em minha direção? Dona Clotilde. A mesma do chá de folha de caqui silvestre. E que para minha desgraça era a condutora do Chevette que me atropelou. Juro que minha vontade era de estrangulá-la violentamente, mas estava impossibilitado: minha bacia esfarelou na queda.
A cara de nojo das enfermeiras ao me erguerem do chão foi inconfundível, asco total. Agora eu era um amontoado de merda, curtido a chá, água de bueiro, lama, talco, vomito, com o dedão em forma de jaca e a bacia quebrada. Não me passava mais nada pela cabeça. Desisti de pensar. Cinco minutos depois o motorista perde a direção da ambulância que me levava e bate contra a Kombi das freiras carmelitas do terceiro milênio. Por azar, todos morreram. Menos eu.
Com a batida, cai da maca e quebrei o nariz. Sabe como é, pobre sempre deixa o pão cair com a manteiga para baixo. Uma repórter estava passando e documentou o fato, fazendo questão de me entrevistar. Continuava sem voz. 48 perguntas sem resposta e ela resolveu desistiu.
Vários curiosos não tardaram a chegar. Apareci na TV, nos jornais e me tornei uma figura publica. Por gratidão de Deus, desmaiei, só acordando no hospital, onde fui internado como indigente.
Clotilde me encontrou. Ela me acordou com um gesto generoso, me oferecendo uma cura: uma garrafa com 2 litros de chá de folha de caqui silvestre.
Ouviu-se meu grito ecoando pelo quarteirão:
- Por que eu, Senhor????????

PS: Em seguida, o hospital pegou fogo.

Fim.

Graças a Deus.




Essa obra é de ficção total. Qualquer semelhança com fatos ou personagens da vida real é mera coincidencia. Até por que é impossivel tanta desgraça acontecer com uma pessoa só.



Juliano Marcos de Farias e Mário Roberto Schauffert são os autores dessa hístória mas não tem nada haver com isso.



Será que nosso herói sobreviveu a explosão??? Fica aqui a pergunta que não quer calar...

|
Creative Commons License Crônicas de Bêbado by http://www,sistemasembarcados.org is licensed under a Creative Commons Atribuição-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License. Based on a work at www.cronicasdebebado.com. Permissions beyond the scope of this license may be available at www.cronicasdebebado.com.

Copyright © 2009 CRÔNICAS DE BÊBADO All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive.